Paulo Mendes
Sindicalista
Na Sombra de um Gigante: a memória de Varela Gomes na Era da Regressão
Anda de novo um espectro pela Europa, o espectro do fascismo.
Como no início do século XX, a guerra, com toda sua brutalidade e barbárie, serve como um triste lembrete da fragilidade da paz e da constante necessidade de defender a liberdade. As serpentes da intolerância, do ódio e da violência estão a erguer-se à nossa volta, nas ruas, nos locais de trabalho, nos mídia e nas mesas de voto, corroendo a democracia por dentro. A decadência lenta da última superpotência do século passado e o estertor de nascença de outras, ameaçam engolir, nesta ruína colonizada em que se transformou a União Europeia, as conquistas alcançadas pelo suor e sangue dos trabalhadores e seus filhos ao longo dos últimos 150 anos.
Nestes tempos de sombra e fumo, quando os fantasmas do passado ameaçam regressar, tento explicar a continuidade da resistência ao meu filho com a frase de Newton:
“Se eu vi mais longe, é porque estou de pé sobre o ombro de gigantes”.
O Coronel João Maria Varela Gomes foi um gigante.
A memória de Varela Gomes e dos homens e mulheres que em tempos de chumbo decidiram dedicar a sua existência à construção da esperança e da liberdade de que usufruí durante toda a minha vida ergue-se como um farol de esperança na necessidade de agora lutar por ela, na grande Era da Regressão que se aproxima.
A ideia de que a luta dos trabalhadores não tem hiatos, por mais confusos e complexos que sejam os tempos, é uma das heranças deste homem e dos que construíram uma liberdade que, mesmo incompleta, é a maior conquista deste povo em séculos da sua história. A vida exemplar de Varela Gomes, marcada por um compromisso inabalável com a democracia e a liberdade, serve como um guia para os homens e mulheres que lutam pelos direitos dos trabalhadores. São a base da construção ética do sindicalismo, a causa que abracei como imperativo de cidadania há muitos anos e que muito provavelmente levarei comigo até ao fim dos meus dias.
O Coronel que foi o último a depor as armas no 25 de Novembro, que manteve a esperança num mundo melhor, mais justo e mais fraterno, mesmo depois da prisão, depois da perseguição pelo fascismo que marcou grande parte da sua vida, é um daqueles homens que integra em si mesmo aquele provérbio grego de mil anos, que diz que uma sociedade só é grande quando os homens velhos se dedicam a plantar árvores em cuja sombra jamais irão descansar.
Que melhor exemplo pode ter um pai sindicalista a transmitir a um filho, do que a vida de Varela Gomes, o gigante de ombros largos que, com os seus camaradas, plantou a árvore da resistência na sombra da qual descansamos?
Evocar nestes dias, a memória do militar que queria que outros triunfassem onde ele tinha falhado, talvez seja mais do que um agradecimento, é também uma lição de resistência que temos urgentemente que aprender.