Pedro Pezarat Correia
Militar de Abril
Obrigado, Amigo
Quando do falecimento de João Paulo Varela Gomes incluí, a terminar a “Jango”, coluna que então mantinha regularmente n’O Referencial, revista da A25A, uma nota pessoal em homenagem da sua memória (nº 128 de Janeiro-Março de 2018, p. 141). Dessa nota permito-me salientar aqui esta muito breve passagem:
«Varela Gomes, o meu “herói revolucionário” da luta contra a ditadura salazarista foi, penso, o único oficial português verdadeiramente revolucionário dessa época. Já lhe chamei o Louis Blanqui português, porque como o revolucionário francês e precursor da Comuna de Paris foi incorruptível, de uma coragem física e moral sem falhas, de convicções inabaláveis. Indomável saía de cada desaire mais determinado.» E acrescentava uma curta referência pessoal: «Foi pela sua mão que entrei na conspiração militar ainda animada pelo vendaval Delgado.» É verdade, na sequência do nosso primeiro encontro que, algures, já contei e aqui não interessa repetir, foi através dele que passei a conspirar com o que se chamaria o Movimento Militar Independente (MMI) que difundia a Tribuna Militar e se envolveu no que viria a ser o “golpe de Beja”, a culminar o assinalável ano de 1961, do qual eu viria a “sair ileso” porque fora, entretanto, mobilizado para Moçambique.
Constatei na altura, com tristeza, que a minha fora a única voz que, nos órgãos institucionais da A25A, invocou o nome de Varela Gomes. O que significava alguma coisa… porque se é verdade que nunca foi seu associado, também o é que Varela Gomes foi Alguém cuja vida está “carregada” de Abril, ao seu antes e ao seu depois… Não é compreensível que na associação onde, e muito bem, se cultiva a defesa dos “valores de Abril”, se tenha ignorado quem, no seu julgamento pelo envolvimento no assalto ao quartel de Beja, teve a coragem de, profeticamente, antecipar: «Que quanto antes outros triunfem onde nós fomos vencidos”. O caráter de um “capitão de Abril avant la lettre”.
Não vou acrescentar nada ao seu perfil humano, aqui superiormente retratado pelo seu melhor biógrafo, António Louçã. Quero apenas salientar que foi, entre muitas outras coisas, o grande dinamizador da instância que, provavelmente, a história registará como a grande dinamizadora do empenhamento do MFA no processo revolucionário que a adesão do povo português ao 25 de Abril espoletou, a 5ª Divisão. 28 de Setembro, 11 de Março, “Movimento”, Dinamização Cultural, todos este pilares têm, não apenas a dele, mas vincadamente a marca de Varela Gomes. Com erros? Evidentemente. Homens como Varela Gomes, porque excessivos, nunca estão isentos de erros. Isso é para os que nunca nada fizerem, mas dos quais não rezará a História. A verdade é que acabou por pagar preços elevadíssimos, não por erros que cometeu, mas pelos objetivos mais nobres em que tudo arriscou. O saldo amplamente positivo da sua vida de lutador por causas levou-o consigo, em perfeita paz com a sua consciência.
E estou seguro que, sobre João Paulo Varela Gomes, a História não se ficará por uma mera nota de rodapé.
De mim próprio, associo-me a esta homenagem que assinala centenário do seu nascimento, apenas com uma singela palavra: obrigado Amigo pela marca que me deixaste.
24 de Maio de 2024