22 de Maio, 2024

Professor aposentado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo

Varela Gomes, a integridade revolucionária

Por Valério Arcary
  1. Escrevo estas linhas, na véspera de 24 de maio quando se completam cem anos do nascimento de Varela Gomes, com respeito e emoção. Nunca o conheci, pessoalmente. Mas estudei, em Lisboa, com Geninha, sua filha, e Pedro, filho de Francisco Martins Rodrigues, entre outros, porque fizemos o último ano do ensino primário no Colégio Pestalozzi, e desde menino os dois eram uma referência para mim. As circunstâncias da vida familiar, depois do golpe militar de 1964, levaram minha mãe, que trabalhou durante 45 anos no Itamaraty, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Brasil, a uma remoção para Portugal. O círculo de amizades de meus pais indicou o Pestalozzi, quando dona Lucinda era diretora. Os laços de amizade que se constroem nesse momento de transição do fim da infância ficam, às vezes, para a vida inteira, porque a confiança é mais fácil, e assim foi. Eu posso dizer, orgulhosamente, que tive o privilégio de ser amigo de infância da Geninha, filha de Varela Gomes.

 

  1. A história sugere que há vários tipos de revolucionários. Os mais veteranos que se forjam ao longo de etapas longas de preparação, aqueles muito jovens que despertam no calor da crise, os que vêm das fileiras da classe trabalhadora e os intelectuais, os agitadores das massas e os formadores de quadros, os organizadores dos coletivos, correntes e partidos, e os que são homens ou mulheres de ação, os que se integram em equipes e aqueles que caminham em voo solo. Todos são necessários e úteis. Mas nada substitui a integridade revolucionária. Integridade é coerência e coragem, compromisso e honestidade, inteireza e estoicismo, firmeza ideológica e lucidez estratégica. A trajetória de Varela Gomes foi uma epopeia pessoal. Da disputa política nas eleições de 1961 até ao Levante de Beja, da provação da prisão até à militância na oposição até o 25 de abril, da luta contra os spinolistas até à medição do forças no 28 de setembro e, mais decisivo, no 11 de março. Mas foi no calor do verão quente de 1975 e, sobretudo, na madrugada do 25 de novembro que a dimensão épica da extraordinária estatura de Varela Gomes se afirmou. Incansável, depois se viu forçado a ter que sair de Portugal e lutou sob a bandeira do internacionalismo em Angola, do lado das causas justas.

 

  1. Nos anos oitenta Varela Gomes estabeleceu uma relação política com um coletivo muito sério de militantes trotskistas que publicavam a Versus, uma iniciativa em que o papel de Antonio Louçã, entre outros, era decisivo. Esta colaboração, em anos que foram difíceis ou muito difíceis, foi muito valiosa para a esquerda marxista que procurava se articular. Foi uma experiência rara e, até por isso, diz muito sobre o impulso revolucionário que animou a vida de Varela Gomes. Nesta data de cem anos se impõe honrar a sua memória. “Que outros triunfem onde nós fomos vencidos”. Sim, oxalá. Porque as lutas decisivas sempre serão aquelas que nos esperam adiante, não aquelas que ficaram para trás.