21 de Maio, 2024

Membro do Conselho de Redacção da Versus (1983-1988)

Um jovem trotskista e um militante revolucionário encontram-se numa revista

Por José Luís Monteiro

De l´audace, encore de l´audace, et toujours de l´audace.

(G. J. Danton)

Uma revolução é isso, eu não vou à luta com a garantia de que vou ganhar.

(Varela Gomes)

 

Comecei este texto por pensar no seu título. Varela Gomes era um militar, mas eu quero recordá-lo aqui como um militante revolucionário e espero que me perdoem o atrevimento de pensar que era assim que ele quereria ser recordado. O seu compromisso com a revolução estava acima do seu dever como militar. Fica isso claro quando critica Otelo por este afirmar que sempre colocou o seu papel de militar acima da sua intervenção política. Ou quando critica setores da esquerda que durante a revolução portuguesa criaram a “ilusão de que seria possível transformar uma fração substancial do corpo de oficiais em representantes ou procuradores da classe operária.”

Para um jovem nascido para a militância política com a revolução de abril, não deixava de ser algo intimidante partilhar o mesmo espaço de escrita – a revista “Versus” – com Varela Gomes, cujo percurso político era marcado pela revolta de Beja (lenda da luta antifascista) e pela resistência ao golpe contrarrevolucionário de 25 de novembro. Um assalto a um quartel militar remete, por si só, para o canto mais obscuro da sala qualquer jovem militante por mais trotskista que se considerasse.

Podemos hoje pensar como foi possível que, entre militares e civis, um grupo de escassas dezenas de pessoas pudesse esperar que não só fosse possível tomar de assalto um quartel militar, como que essa ação, mesmo vitoriosa, fosse o despoletar de um levantamento popular levando à queda do regime fascista. Esperança provavelmente alimentada pelo tão esperado “levantamento nacional” que sustentaria a possibilidade de que, tomado o quartel, se seguiria a adesão de outras unidades militares ocupadas por “comandos civis revolucionários”. Podemos também pensar que que foi o espontaneísmo revolucionário que em 25 de novembro o levou a não hesitar em escolher de que lado iria estar. Apesar das dúvidas que faz questão de transmitir aos paraquedistas revoltados e da consciência clara de que desta vez não haveria a possibilidade de esperar por “comandos civis revolucionários”.

 

Em conversas que fui tendo ao longo dos anos, sei que alguns tendem a ver nestas ações um sinal de espontaneísmo e excesso de voluntarismo próprio de revolucionários isolados das massas. O autor destas linhas está longe de ser um adepto incondicional do espontaneísmo revolucionário, seja ele das massas ou não. Compreendo por isso a crítica, mas não a posso partilhar.

Os atores revolucionários tomam as suas decisões em momentos que a história tem dificuldades em captar. Momentos em que a decisão vem da vontade, da lealdade e das convicções. Momentos em que um dia antes é cedo demais e um dia depois tarde demais. Citando Trotsky; “É preciso rejeitar essa prudência mentirosa que serve de pseudónimo à cobardia e que nas grandes viragenas da história equivale à traição.” Tenho para mim que Varela Gomes aliava, à consciência de haver momentos em que ausência é traição, a capacidade da análise dos atores e das condições concretas. Nas páginas da “Versus” analisou com pertinência os acontecimentos de 25 de novembro e as razões da sua derrota. Não procurou responsáveis e também não esqueceu ausências ou omissões de outros bem mais prudentes do que ele.