21 de Maio, 2024

Prof. emérito da Universidade de Lausana/Ex-deputada no Conselho Nacional suíço

« A História é demasiado lenta. É preciso sacudi-la ! »

Por Jean Batou / Stéfanie Prezioso

João Varela Gomes faria hoje cem anos. Adversário resoluto da ditadura de Salazar desde os anos 1950, ele apoia a candidatura presidencial do general Humberto Delgado, antigo dignitário do regime passado para as hostes da democracia, que suscita uma ampla mobilização popular (várias centenas de milhares de manifestantes nas ruas de Lisboa e Porto, em maio de 1958). A derrota de Delgado nas presidenciais de junho, devido a uma massiva fraude eleitoral, suscita também uma vaga espectacular de greves selvagens.

 

Revolucionário demasiado cedo ?

 

No ano seguinte, Varela Gomes toma parte numa conspiração abortada contra o regime, a « Revolta da Sé ». Em 1961, é candidato à Assembleia Nacional e pronuncia discursos públicos corajosos, não deixando de apelar à revolta contra o poder. Ele torna-se nessa altura uma das mais destacadas figuras públicas da oposição, com a ditadura a atravessar um momento difícil.

Em janeiro desse ano, o oficial oposicionista Henrique Galvão tinha organizado a tomada do paquete Santa Maria, com a intenção de desviá-lo das Antilhas para Angola, para ocupar Luanda. O plano fracassa, mas inflama as imaginações. Em fevereiro, a guerra de libertação começou em Angola. Em novembro, Palma Inácio e outros desviarão um avião da carreira da TAP de Casablanca para Lisboa, conseguindo lançar 100.000 panfletos antisfascistas, antes de regressarem a Marrocos sem serem interceptados. Em Dezembro, a União Indiana retoma militarmente Goa, Damão e Diu, quase sem dar um tiro.

Neste contexto desastroso, não poderia a iniciativa de um pequeno grupo, apostando no isolamento e na impotência da ditadura, suscitar uma sublevação popular a partir de um golpe espectacular ? Na década anterior, não tinha Fidel Castro demonstrado que os audazes tudo podiam, apesar do cepticismo evidenciado pelos partidos comunistas, que eram as principais forças de oposição organizadas na clandestinidade, tanto em Cuba como em Portugal ?

 

Dirigente preso

 

Com efeito, e ao contrário dos dirigentes comunistas dos anos 1950, Lenine tinha sabido medir o enorme alcance dos atentados da Narodnaïa Volia (Vontade do Povo), que finalmente conseguiram abater o czar Alexandre II, em 1881. Ele qualificou-os como acções políticas « no sentido mais verdadeiro, mais prático, da palavra », na medida em que « a sua propaganda ardente encontrou eco na massa que despertava espontaneamente » (Que Fazer ? 1902).

É nesta óptica que João Varela Gomes aceitará dirigir a tomada do quartel de Beja, na noite de 31 dezembro de 1961 para 1 de janeiro de 1962, em ligação com Manuel Serra, antigo secretário da JOC (Juventudo Operária Católica) e com o general Delgado, que regressara a Portugal clandestinamente. Oficias da unidade tinham sido ganhos para a conjuta e a tomada do quartel parecia possível sem efusão de sangue. Depois, Delgado tomaria a direcção política do movimento, apelando à sublevação popular.

No entanto, a operação irá falhar devido à resistência imprevista do segundo comandante da unidade, major Calapez Martins, que abre fogo, fere gravemente Varela Gomes e consegue fugir, dando então o alarme. Sem isso, e segundo Mário Soares falando em 1987, a Revolução dos Cravos podia ter acontecido muito mais cedo.

E contudo, apesar do movimento estudantil fortemente reprimido, o ano de 1962 marca o início da retomada de controlo pelo regime, num ambiente de união sagrada, face à intensificação da guerra colonial. Dois anos depois, quando os insurrectos de Beja forem levados a tribunal, e embora o caso tenha grande eco na imprensa internacional, o poder sente-se suficientemente forte para se limitar a penas de prisão relativamente leves aplicadas à maioria dos acusados, com excepção dos dois principais dirigentes – Manuel Serra, condenado a dez anos de prisão, e Varela Gomes, condenado a seis anos. O seu instigador, general Delgado, será assassinado em Espanha, no ano seguinte, pela PIDE, a polícia política salazarista.

 

Sempre ao serviço da revolução

 

Libertado em 1968, João Varela Gomes não volta a dar muito que falar até ao 25 de abril de 1974, quand osai à rua para apoiar o golpe de Estado militar, cujos autores conclamam o povo a permanecer sensatamente em casa. Ora, é precisamente esta mobilização social sem precedentes que transforma a acção dos capitães em verdadeira revolução. Reintegrado no Exército com o posto de coronel, ele será contudo afastado, pouco depois, da comissão de extinção da PIDE e da Legião, pelo general Spínola, que desconfia deste oficial demasiado íntegro. Afectado à 5ª Divisão, ele anima então a ala esquerda do Exército e intervém por mais de uma vez para salvar a revolução das manobras dos seus adversários.

Com a inversão de tendência do 25 de novembro de 1975 e a derrota dos páraquedistas e da esquerda militar, Varela Gomes vê-se forçado a exilar-se para Cuba, depois para Angola, onde é alvo da vigilância e depois da repressão do Governo de Agostinho Neto, acabando por encontrar refúgio em Moçambique e, finalmente, de beneficiar de uma amnistia em Portugal. Plenamente consciente da aproximação do PCP aos vencedores do 25 de novembro, ele envolve-se no trabalho da revista trotskista Versus e colabora com vários jornais da esquerda mais combativa. No início do ano de 2012, aquando do cinquentenário da sublevação de 1962, ele assina um texto com 23 sobreviventes do assalto ao quartel de Beja, que denuncia o recuo civilizacional causado pelo neoliberalismo.

Que se nos permita aqui uma analogia histórica. O papel de João Varela Gomes na revolução que pôs fim à ditadura salazarista poderia ser comparado com o de Vera Figner na Revolução russa. Como ela, Varela Gomes foi um dos pioneiros de um combate frontal contra a autocracia e a injustiça social ; e como ela, viveu as amarguras, as grandes esperanças e enfim a traição final contra a revolução. Em 2018, ano da sua morte, ele declarava que o ódio dos fascistas e dos pseudo-democratas era para ele uma honra. Do mesmo modo, segundo Victor Serge, que colaborou com Vera Figner em 1931, ela não escondia a revolta e só a sua idade avançada e o seu imenso prestígio lhe pouparam a prisão no tempo de Estaline (Mémoires d’un révolutionnaire, 1905-1945, 1951).

N.B.: O título é uma frase de Andreï Jéliabov, membro do partido Narodnaïa Volia (Vontade do Povo), executado em 15 de abril de 1881, devido à sua participação no atentado contra o czar Alexandre II.